sexta-feira, 14 de dezembro de 2012

(...Perdi...)


"Há tempos perdi o costume,
Parecem eras que não escrevo,
A rima me foge.
Eu me perco.

Pensei que a dor sumisse,
Que a culpa era da caneta,
Que pinta em azul tudo o que sinto,
Disfarçando até que fique bonito
As dores que ainda sinto.

A dor do médico é perder o paciente,
O advogado, ao perder um cliente,
O escritor, ao esquecer um texto.
Mas nada se compara ao poeta, 
Quando perde sua mente.

É desesperador não poder rimar!
Corta a alma não saber narrar,
As dores de um amor que não quer passar
A teimosa burrice de amar.

Sinto-me como uma criança
Que ainda não sabe andar,
Regredi a tal ponto que...
Não consigo mais falar.

Quero voltar ao que sabia,
Fazer das palavras um guia,
Para todo o amor
Que por ti...
Eu senti um dia."

Rubens S. Belfort

quinta-feira, 1 de novembro de 2012

Pequenas desorientações

É engraçado como tem dias que sai tudo no automático
Como tem vezes que as coisas saem certinhas (outras nem tanto)
Vezes que a gente se sente abraçado por algo só nosso

Incrível como nos prendemos ou forçamos a nos prender em algo para parecer automático
Como o que corre não pesa como importante
O repetitivo que parece não ter fim repentinamente acaba

É curioso como os pensamentos não são exatamente guardados
Como, arrisco proferir, que em 90% das chances, se nos perguntados num segundo específico, não saberemos o que dizer
Um leve descuido pode desorientar por completo

Impressionante como tudo pode mudar pelo mínimo movimento externo
Como o que se queria dizer é, no fim, transmutado
Pequenas desorientações podem, de certa forma, orientar.

terça-feira, 23 de outubro de 2012

Panera Day



Panera é uma padaria/cafeteria tão "home" que dá vontade de só ir lá, abrir o notebook e fazer o que fazemos todo dia quando abrimos os nossos, escrever, trabalhar, escrever, trabalhar, escrever, escrever, escrever.


Panera Day seria isso.
Achar um lugar seguro, confortável, introspectivo.
Onde não chamaria a atenção o ato de abrir um notebook no meio de muitos outros, fazer o que tem pra fazer, e sentir-se cômodo de poder concentrar-se e expressar-se ainda que a cabeça não mais esteja ali. 
Onde o fluxo de pessoas corresse sem se perceber - e, se percebido, tuitado, coisas do ofício.
Onde grandes ideias fluíssem e fossem registradas, trabalhadas, finalizadas.

Haveria minha leitura do dia ao lado, seguido de um suco batido ao leite com canudinho. Lápis, caneta e agenda de anotações também. O twitter aberto para fugas de pensamento. Um fone de celular conectado ao notebook, winamp forever aberto. Playlist pronta com rádio dentre as opções, ora pausado, ora em reprodução. 

Type, type, type.
Google à disposição.

E, claro, onde para o coffee break teria múltiplas opções delicious de pedido.
Existe. Ally Carter me faz querer tudo isso.
Aham, sonha.

Um dia

"Um dia, abrirei um livro e não será como das vezes anteriores. 
A curiosidade será diferente."
Foi o que disse a mim mesma tempos atrás para hoje dizer que, com outra perspectiva, tenho observado esse objeto por seu esqueleto delicado. Acho que o dia que imaginei chegou sem eu perceber, até abrir um livro e notar outras coisas mais que não dava bola. Já sabia que para chegar a minhas mãos, teria passado nas mãos de outros provavelmente cuidadosos, ele não era só um conteúdo apresentado, havia mais esforço que isso. Hoje então ele me desperta outros interesses.
...

"Um dia chegarei numa venda de livros e direi ao atendente - que nem ligará pra mim - que euzinha tinha participado ou mesmo feito aquele livro ali ó". 
Só eu vou saber que gana é essa que realizarei. 
Estou disposta a sentir esses bastidores. 
Demora; tenho esperanças. 
Sou otimista, sou principiante.
...
E me atrevo a dizer,

"Um dia chegarei numa livraria e falarei a quem passar - sem que necessariamente me ouçam - aquele ali, fui eu que escrevi."
O primeiro já foi - apesar do status de 'em processo'. O segundo é um sonho sonhado há uns tempos indefinidos. O terceiro... bom, esse, quem sabe, há de acontecer.

Sou otimista, sou principiante.

sexta-feira, 27 de julho de 2012

Agradecimentos Monográficos


'Meme' da Vanessa, Agradecimentos Monográficos.
Extraído da minha monografia, "Opinião de Leitor: compartilhando impressionismos na blogosfera literária".


♪ Foster the People - Don't Stop (Color On The Walls)
One Republic - Good Life
One Republic - Life In Color
Ellie Goulding - Lights
Alexz Johnson - Me Out Of Me
Kyo - Comme Des Frères
Kyo - Tout Envoyer En L'Air
Firelight - For Those Who Wait
Rush Of Fools - All We Ever Needed

AGRADECIMENTOS

Imensamente, agradeço a Deus por me ajudar a desenvolver este trabalho, estar comigo sempre e me dar forças para seguir adiante.
Aos meus pais, João e Rosangela, irmãos, Kellen e Kleuber, e familiares, Mamãe Rosa, Ana Cláudia, Márcia, Karla, Adrógelles, Mércia, Samuel e Melissa, que me acompanharam e se preocuparam, assim como sempre estavam dispostos para “o que der e vier” entre seriedade, brincadeiras e descanso. Uma turma “para-dura”.
A minha orientadora, professora Vanda Maria Sousa Rocha, que tanto aceitou trilhar esse caminho comigo, como também se maravilhou com o que dele resultou. Por se dispor a ouvir minhas ideias, confiar na minha proposta, por ser atenciosa e paciente, e, unidas pela mesma fascinação quanto à Teoria e Crítica Literária, uma amizade se fortificou. Sempre há mais para se aprender.
Aos meus professores do curso de Letras, que a cada disciplina contribuíram e contribuem para o crescimento dos seus alunos, como Iranilde Costa, Sílvia Furtado, Vanda Rocha, Andrea Lobato, Jorge Borges, Ivonete Lopes, entre outros.
Aos meus amigos que também acreditam no meu potencial e sempre estão “lá” para ouvir o que tenho a falar, a “viajar” e ter a certeza de que juntos somos melhores. À Ana Carolina Sales que sempre traz emoção em suas palavras, desde a escola, no fundamental, amiga de fé para a vida à frente, que pelos casos e acasos da correria cotidiana, por sempre temos um momento só nosso. Vai ser uma médica dedicada como Larissa Dias, uma figura genial que completa nosso time, também desde a escola, e nem os quilômetros de uma realização acadêmica nos aparta, só espera por matar as saudades de umas doses de loucura.
À Deyse Batista, garotinha determinada que encontrei já na etapa universitária e que tem um jeito singular de se expressar, seja na escrita, seja no comportamento, o que nos rendeu uma amizade de “daqui pra frente” entre odisseias e peripécias. À Fernandinha Lopes, pessoinha que de “tão perto e tão longe” quase nos topamos antes de compor a turma de Letras, também veio resoluta para ficar no coração e com muita história pra contar. Ensinou-me que, se “no meio caminho havia uma pedra”, no meio de uma pedra, também havia um caminho. Sim, havia, há. À Lays Crystinne, um “mito” de pessoa, espirituosa, companheira e parte fundamental dessa “gangue”. Pode não saber ela, mas me deixou cantando “For Those Who Wait” do Firelight por toda a monografia por um dia tê-la ouvido tocar no celular no caminho para casa. Também às companheiras da turma 2008.2, primeira turma de Letras vespertina do prédio. Com nosso “horizonte de expectativa” entramos com o pé direito e logo todas sairão munidas de uma “catarse final”.
A Rubens Belfort, que não pôde ficar até o final do curso, mas hoje é praticamente um irmão, além de um poeta a quem admiro, de quem roubo umas batatinhas e meu melhor amigo. À Marynelle Leite, que apesar de ter fechado sua matrícula no curso de Letras pra fazer Direito, é uma das minhas amigas que muito admiro e a cada conversa rendemos “altas viagens” dignas.
Às “arrobas” que foram acompanhadas e me acompanharam também nessa jornada, digno de muitos “replies” e “RTs”, entre outras “curtidas”, que constituíram o amparo e os bastidores, valiosos bastidores que não transparecem num trabalho feito, são apenas guardados dentro de nós mesmos: @nandinhalopez (Fernanda), @deysebatista (Deyse), @Nessabyme (Vanessa), @JeffMaciel (Jefferson), @MaryLeite_ (Marynelle), @tiagosantana (Tiago), @IndyVanylle (Ingrid), @Paulavelar (Ana Paula), @wendelvinicius (Wendel), @dianaa_ms (Diana).
À blogosfera literária que acompanho e admiro o trabalho, espalhando literatura e impressionismos por essa web, todos despertos pelo leitor comum que carregam. E às blogueiras e blogueiros que participaram e contribuíram nesta pesquisa, equipe do “Psychobooks” e “Dear Book”. Meu Skoob só aumenta, assim como minha estante. 
Foi um desafio "daqueles" e sinto muito orgulho por ter contado com todos para o fim desta etapa de vida.


quarta-feira, 25 de julho de 2012

Dia do Escritor - "My own world to escape"

Nos últimos minutos do dia do escritor, deixo a dica de Imaginary, Evanescence.
Porque tudo sempre começa do outro lado.



Oh, paper flowers

I linger in the doorway
Of alarm clock screaming
Monsters calling my name
Let me stay
Where the wind will whisper to me
Where the raindrops
As they're falling tell a story

In my field of paper flowers
And candy clouds of lullaby
I lie inside myself for hours
And watch my purple sky fly over me

Don't say I'm out of touch
With this rampant chaos, your reality
I know well what lies
Beyond my sleeping refuge
The nightmare I built
My own world to escape

In my field of paper flowers
And candy clouds of lullaby
I lie inside myself for hours
And watch my purple sky fly over me

Swallowed up in the sound of my screaming
Cannot cease for the fear of silent nights
Oh, how I long for the deep sleep dreaming
The goddess of imaginary light

In my field of paper flowers
And candy clouds of lullaby
I lie inside myself for hours
And watch my purple sky fly over me

Oh, paper flowers

terça-feira, 10 de julho de 2012

O ponto que a humanidade chega II

O ponto que a humanidade chega (I)


Vinha apressada, percorria um longo caminho que estava, de fim, para acabar. Faltava pouco. Faltava apenas atravessar uma rua e chegar ao ponto onde pegaria seu transporte. Não estava atrasada, mas a qualquer hora passaria sua condução e esperar por outro poderia sim lhe atrasar. Além do mais, tinha que dar uma parada no comércio ao lado. Pragmática como era às vezes, unia o útil ao agradável, e planejava fazer isso dessa vez. Era caminho mesmo.

E ele veio... um carro vinha na rua onde ela deveria atravessar. 
Atenta, esperou. 
Esperou.
Esperou.
Esperou!

Indignada, ela ainda espera o cidadão na sua boa vontade de querer passar e dar sua vez. 
Poderia ter se metido na frente do carro, poderia ter... pedido licença. Não o fez, pensou num rápido flash que não valeria a pena, quem sabe um risco. Ele aparentava estar muito próximo. Não daria pra atravessar. 

Foi só depois de uns segundos que percebera que ele vinha devagar. Que abuso! Ele não quer é passar... vamos, desconhecido, passe! Tá esperando o quê?
E finalmente, nossa, depois de uma eternidade, ele passou. 

Quando passou, ela pôde melhor observar... o motorista estava no telefone celular.
Ele estava certo de andar naquele modo. E ela, apressada demais, injusta.
Tão logo uma leve culpa. 
Pressa, uma linda inimiga da perfeição. Motivo de briga e acidentes.
Ela não detinha razão do começo ao meio tempo, mas percebera seu erro o quanto antes. 
Antes que algo pior acontecesse.

Ele continuou seu caminho, lerdo pela rua, justificado.
O sopro de um "ai ai" de autoreprimenda conciliado a um "tsc tsc" de menear a cabeça encerrou a cena.


Breves culpas.

segunda-feira, 14 de maio de 2012

I wanna go (all the way) - LITERÁRIA, Crítica.


Ando mais calma ultimamente – e ouvindo Britney Spears demais, eu sei.
Mas agora, bebê, eu estou pop.


Lately I've been stuck imagining
What I wanna do and what I really think
Time to blow out...
Be a little inappropriate
'Cause I know that everybody's thinking it
When the lights out...

Ultimamente eu tenho ficado presa imaginando
O que eu quero fazer e o que eu realmente penso
Hora de deixar sair...
Ser um pouco inadequada
Porque eu sei que todos estão pensando isso
Quando as luzes se apagam... 

Verdade que ainda tem gente aí me menosprezando e outros reavendo seus valores e conhecimentos. Ainda não cheguei a badalar em Ibiza com "Glad You Came", nem me ofereceram uma bebida. Mas aposto que muita gente sonha ou já ouviu falar de pessoas que sonham discutir aquele sinistro-stalker-flâneur, conhecido como Baudelaire, com uma taça de vinho. E pra isso, meus amigos, vocês vão me chamar. Ah... aí num importo com Ibiza, L.A., Vegas... se for pra dominar a pista como a J-lo ou mesmo pra ouvir um “I’m glad you came”. Eu piro.

Eu também estou reavendo meus valores. Claro, tenho minhas revoltas, minhas recaídas, e adoro uma briga. Eu posso pular de “Fun house” pra “Trouble” estilo P!nk num piscar de olhos, não duvide de mim. Falar em discussão já me deixa com água na boca, olhos brilhando em expectativa e um sorrisinho bobo de boa entendedora. Só não viremos uma garrafa de vinho, por favor, não quero fazer besteiras e ficar com amnésia de nossas viagens alucinantes. Poxa, é a melhor parte! – saber os devaneios loucos, não ficar bêbada por aí, pois se é pra se ter um porre, que seja de Literatura, assim a ressaca é literária.

Minha relação com os universitários anda de boa, apesar de uns e outros não me curtirem muito. Agora a galera transeunte que me olhava de soslaio, falava mal de mim e jogava bolinha de papel na minha cabeça, anda puxando a manga da minha camisa, dando uns tchauzinhos desviados, falando uns “Oi” aqui e acolá. Sério, vocês me assustaram! Nunca que esperei o pior de vindo de vocês, mas, convenhamos, vocês estavam muito em baixa comigo... e essa mudança toda – não foi pelo meu último desabafo (aqui), eu sei, foi o outro lado do mundo literário que vocês desataram a descobrir, que faço muito gosto, acho lindo – me fez crer mais ainda no meu potencial. Não vou me achar só por causa disso, mas diz aí, um sorrisão de cumprimento é algo bem mais que educado, não? Perdoem-me se eu desconfiei de vocês, estávamos todos numa fase ruim talvez. Bom, eu perdoo vocês. E não precisamos falar de Baudelaire pra curtir a parada. Estou adorando os babados, os bafafás, as novidades... contem-me mais sobre esse novo mercado, essas novas literaturas. O que têm achado?


Se acalmem, não precisamos teorizar tudo numa primeira largada. Não, podemos começar pelo básico, o prazer de leitura. Ah, isso vocês sabem bem o que é, não é? Estou de olho por aí, acompanhando todas essas impressões de vocês – confesso, me SENTI a tal quando começaram a me dar uns créditos, dando um alô pra Crítica aqui – e fico maravilhada com essas mudanças, principalmente quando a galera, apesar de não ter muitos conhecimentos na área, se invocam de aprofundar. Gente, senta aqui e vamos conversar. Sério.

Eu não me importo que vocês tragam outros amigos, galera lá do Jornalismo, da Publicidade, se vocês sabem que minha paixão fraternal e parceira é com a Literatura, grande amiga minha. Só deixo o aviso que cada um vai querer vender seu peixe, puxar um pouquinho pro seu lado, então não se sintam perdidos se começarmos a falar de mídia, público, informação e propaganda... que seja consciente. Tá tudo relacionado, ou vocês acreditam em algo em mim que não é social? Qualé, sou uma produção humana, estou em sociedade, ir e vir de acontecimentos... temos nossos altos e baixos, mas “tamo aí na atividade”, dizia o Charlie Brown Jr. – talvez minha única referência rockeira por ora. Tô falando que ando muito pop. Também, né, estão me fazendo sentir uma top.

Não, não parem por aí. Continuem as conversas, estou gostando dessas novas posturas.
Shame on me, to be release, uncontrollably?
I (JUST) WANNA GO ALL THE WAY, TAKING OUT MY FREAK TONIGHT 

Estou esperando.

You know you love me,

Crítica Literária.

segunda-feira, 16 de abril de 2012

Isso não demora tanto quanto se pensa...

- Se eu fosse você...
- Se você fosse eu, eu seria você dizendo "se eu fosse você" e você iria reclamar que, seu eu fosse você, estaria fazendo o mesmo ou pior. Mas já que você não é eu, eu mesma digo que você estaria fazendo o mesmo ou pior - e está agora com essa de "se eu fosse você..." - porque se eu, de fato, fosse você, não estaria nessa situação quanto você estaria se fosse eu.


Coisas que por um segundo passam numa cabeça quando vem aquele sonoro tom de reprovação camuflado num suposto de conselho proferido pelo "se eu fosse você". E só passam, é melhor que não sejam reproduzidas em alto e bom som.

domingo, 1 de abril de 2012

Contadores


- Olá, pequena contadora de navios.
- Olá, grande contador de histórias.
Felicia sente o vento praieiro bater diferente na lateral direita, porque o velho senhor tinha dado uns passos e chegado ao seu lado. Ela estava na orla a passeio com uns amigos e, pelo costume de criança, deixou a mesa da lanchonete, pediu licença, deu uma desculpa de banheiro e foi até umas árvores distantes da área comercial da praia. Felicia já tinha seus 25 anos e por todos esses anos, sempre ao ir à praia, ela tinha que ir contar navios. Se perguntou várias vezes sobre o que era essa mania, como começou, porém, assim como são os sonhos, não havia lembranças de como tudo começara. Só sabia que acontecia, realizava. 

Algumas pessoas se sentem aliviadas ao ver o mar, se deslumbrar com as ondas, molhar os pés, sentir a areia, respirar o sal, catar conchinhas... Felicia não se aliviava em nada, só... gostava de contar navios. Havia problema nisso? Não, era diferente. 
Era noite. Dizem que a lua tem uma força cósmica que faz as ondas ir e vir, dizem o mesmo sobre o vento. Felicia não era expert no assunto para saber. Nem tinha se preocupado de saber disso, tampouco de perguntar a alguém. Ela só queria ver os navios, contá-los.

O velho senhor, pouco mais de 70 anos, era uma pessoa que Felicia já havia encontrado umas duas vezes pela praia. Uma vez ouvira que ele era um eremita, que tinha tido uma boa vida e que agora vivia por andar pela orla, afeiçoado pela praia e mar. Isso foi o que ouviu de um pipoqueiro conversando com um cliente ao vê-lo passar. Noutra, um garçom o tinha identificado como o poeta das paredes. Poeta das paredes? Felicia lembrou-se de que, quando criança, falavam mesmo do poeta das paredes. 

A primeira vez que topou de verdade com ele foi numa tarde que tinha chegado à praia, nem ela se lembra quando, um dia aí que passou, e a primeira coisa que fez foi se distrair da conversa com os parentes, deixá-los andar mais a frente apressados e parar por um instante do lado de um senhor, assim, bem ocasional. Ele estava olhando o mar de longe, do calçadão, e ela tinha parado para contar os navios. Tinham sete, dois deles virados e um quase não visto, esse ela teve que entrecerrar os olhos para perceber melhor. O senhor de primeira achou que ela iria falar com ele, quando viu que não, estranhou o comportamento da moça. Perguntou o que estava fazendo.

- Estou contando navios.
Ele pensou que era brincadeira. Mas a voz da garota tinha saído tão natural, como uma confissão, um pensamento que escapuliu daquele seu momento concentrado de contagem. Ele não falou mais nada, ela seguiu em frente para alcançar os familiares.

Da outra vez, depois que ouviu as palavras do pipoqueiro e do garçom, tinha parado para contar os navios quando ele mesmo se aproximou como quem não quer nada. Nessa manhã havia muitos navios parados, tanto que ela fez a conta três vezes pra se certificar que era aquele número que de primeira tinha contado. 
- Contando navios?
- Sim. E o senhor, contando histórias?
- Eu não conto histórias.
- Sei quem é.
Ela achava que sabia. Logo foi chamada atenção e saiu sem dar tchau. 

No presente, no silêncio deles, lembrava de todos esses pedaços de memória. Apoia-se no peitoril, olha mais a fundo da distância entre eles e o mar, entrecerra os olhos para depois dar de ombros e virar-se para o senhor. 
- Por todo esse tempo li o senhor nas paredes e nunca me passou mais que um nome.
- Não eram histórias. Eram só momentos de inspiração.
- O senhor foi pintado lá. De alguma forma, conta histórias.
- Palavras foram pintadas, não eu. 
- Uma metonímia então. O pouco que foi espalhado pela cidade, seja inspiração, seja o que for, é uma história. Não muito notada, mas se de Homero resgataram algo, por que não do poeta das paredes?
- Sou só um homem que uma vez escreveu, que das obras divinas, como a mulher que nos cria, achou um pouco de inspiração e deixou correr umas linhas. 
- Linhas correndo por toda a praia, na verdade. Falando dos sentimentos mais nobres. Pode ter inspirado outros mais.

Eles não mantém contato visual, não assim direto. Ora ela vira, ora ele vira, o mar sempre a frente, o vento sempre os batendo. Ele não parecia tão antissocial como alguns tinha falado, ele só parecia... solitário.
- Não escrevo mais, não conto mais, nem me inspiro mais. São frases batidas já.
- Também não conto mais, navios quer dizer.

Ele se espanta por um segundo. Não a conhecia, mal havia trocado conversa com uma outra vez, não sabia nada... mas ela não contando mais navios? Pareceu a coisa mais estranha. Como uma mania assim ela perdeu, como se quebra um hábito sem mais nem menos? Não podia ser. 
Não podia mesmo. Felicia, marcada por um sorrisinho de canto, o outro canto puxado que o senhor não tinha acesso, sentiu por visão periférica a reação dele, por isso tendo sua atenção, apontou para o mar com a mão mesmo. Não havia navios nessa noite, nenhumzinho para ser contado.

Ao perceber isso, mesmo o tempo todo ter olhado para aquele mar, ele quase deu um suspiro baixo. Riu da mulher, quase menina aos seus olhos, brincalhona por natureza, ele sentia. 
- Eles voltarão, eles sempre voltam.
- O mesmo de sua inspiração, ela voltará, sempre volta.

E sai, sem tchau ou boa noite. Ela só abraça o corpo pelo vento praieiro que fazia, anda a passos ritmados, senta-se de volta à mesa, os amigos perguntam sobre sua demora, fazem piada sobre banheiro e ela continua de sorrisinho disperso, sabendo que nessa noite poderia não ter navios para contar, mas houve um encontro a mais que valeu como se tivesse contado. "Não só conto navios" pensa consigo.

O senhor, por outro lado, fingiu não ter dado bola, mas só foi chegar em casa que não resistiu a pegar uma caneta que deixava do lado do telefone, o bloquinho também. Não havia navios nessa noite, mas havia histórias para contar. Seu hábito também não tinha ido sem mais nem menos, ele só precisava de um pouco de inspiração, a que por muito buscou no mar e encontrou com ele a vontade de voltar a escrever. Foi só uma conversa, no entanto, para ele rendeu mais que 15 páginas. Não que estivesse contando... ou estava?

sábado, 31 de março de 2012

Nostalgia e procura de satisfação

SABINO, Fernando. O encontro marcado. Rio de Janeiro: Record, 2006.

"[...]
- O que é que tem importância, então?
- Para mim? Mais nada. Para você, escrever. Fazer do seu arrependimento uma boa literatura.
- Não me arrependi ainda. Talvez ainda possa evitar...
- É impossível. O sentimento não é bem de arrependimento, é uma espécie de nostalgia - já lhe disse isso. Nostalgia daquilo que a gente não é, dos lugares que a gente não esteve, das coisas que não chegou a fazer... Se você não tiver isso, se um dia se sentir satisfeito, pode ter certeza de que você não é mais escritor.
- E será ruim, isso?
- O quê? Não ser escritor?
- Não: se sentir satisfeito, não ter essa espécie de nostalgia.
- Seria até bom, se não fosse o risco de ficar apenas com a outra espécie de nostalgia: a de tudo que a gente realmente viveu. Uma precisa da outra, para se transformar em experiência."

De tirada em tirada, a gente só quer crescer, amadurecer.
De leitura em leitura, de escrita em escrita, de conversa em conversa, de música em música...
Incessante busca, amigo Eduardo, não tem como ficar parado, nem mesmo se cair. 
E de tudo, temos alguma história... inventada, entendida, procurada, vivida. 

Eu, tu, ele... reclama, de barriga cheia

Ádria estava cansada da papelada que havia levado para casa. Suspirou forte antes de largar tudo à mesa. Levantou-se, nem ligou a tv, era hora do jornal. Pra que mais tragédia? Tenho dor de cabeça o bastante. 
Foi para a janela de seu pequeno apartamento, janela do quarto. O abafado trânsito chegou aos seus ouvidos ao abrir e um vento adentrou o espaço, remexendo seus cabelos levemente. Era algo morno, mas agradável, coisa de litoral. Até mesmo arriscava dizer refrescante, pois sua cabeça cheia de problemas sentia então tudo arejar. Tanta gente relaxando a essa hora e ela com toda uma carga? Ah, as pessoas são felizes e não sabem, reclamam demais, pensava ela apoiada no parapeito, olhos cerrados para abstrair-se daquilo que a incomodava. 
Os mesmos olhos saltam, um, dois segundos depois ao ouvir o barulho de uma garrafa se espatifar ao bater no chão da avenida quatro pavimentos abaixo de sua residência particular, vindo do meio fio. Chamada a atenção, entrecerrou-os para observar melhor o que era... Ah, um bebum tropegando por lá. Poderia estar fazendo algo mais útil... isso ela pensando sobre o cara lá embaixo. 

O cara lá embaixo... ele mesmo queria trocar de nome. 
Queria ter bebido o conteúdo daquela garrafa que tinha em mãos, que pegou do bar num surto de raiva ao encontrar sua mulher com outro. Segurou-se para evitar confusões, era melhor sair dali. Saiu, vagou, andou várias avenidas, sem rumo mesmo. Que eu tinha feito de errado? O que eu fiz ou não fiz? Questões e mais questões dominavam sua mente. Andando por qualquer lado, uma hora, assim do nada, quis andar só num meio fio. Desceu toda uma avenida, passando por áreas comerciais e residenciais, os carros nas pistas ao seu lado corriam de acordo com a noite de sexta. Debatia com ele mesmo toda a cena que viu no bar. Na verdade nem chegou a entrar, só viu, pegou uma garrafa qualquer que tinha numa mesa na calçada, onde um bebum já roncava cedo da noite, saiu. Um acesso de raiva e cólera o dominou ao perceber que nenhuma conclusão a que chegava era o bastante... não explicava o que ele queria saber. O brilho dos cacos na grama do meio fio refletiam a luz dos postes da avenida. Ninguém parou para observá-lo, estavam todos com suas vidas, reclamando, falando mal de algo, sem estar de fato em má situação. Todos tinham problemas, ele mesmo tinha os seus e agora mais outro. Mas sempre tem alguém que é pior. 

Parado, ainda olhando os cacos próximos ao seu sapato, pensa que, mesmo em uma situação crítica, mesmo cheio de problemas, mesmo reclamando deles, ainda tinha uma vida melhor que muitos outros que vivem nas ruas. Mesmo na merda, ele tinha suas poucas felicidades. Tinha trabalho, casa e "esposa". É, muita gente é feliz e não sabe. Essa merda que todo mundo reclama, como muitas vezes ele já reclamara e ainda vai reclamar mais, por força de hábito quase cultural, não é nada em relação a outras merdas e injustiças do mundo. Tinha gente com pior e melhor vida que ele, belos reclamões. 

Ádria ainda observou o bebum por uns minutos. Não parecia tão trôpego, até que tinha equilíbrio bom o bastante para se agachar perto da garrafa que quebrara ali a pouco. Devia estar tendo visões e filosofias, epifanias e algo mais. Que ela ainda fazia ali observando-o? Tinha que voltar para sua papelada, tinha mais o que fazer... a dor de cabeça não cessara, mas havia dado um desconto. Ah, queria ela estar descansando, relaxando, de pernas pra cima, vendo qualquer bobagem do que terminar de arquivar tudo aquilo que o chefe pedira. Ô povo que reclama de barriga cheia. 

um dia eu volto e reorganizo a ideia melhor.

sexta-feira, 30 de março de 2012

Pérola para pensar

Ouvi no outro dia dizerem assim:
"Estava relembrando o passado com essa música..."
Relembrando o passado, relembrando o passado... existe relembrar o futuro?
Fica pra pensar, não?


quinta-feira, 29 de março de 2012

O ponto que a humanidade chega...

Ela, a jovem senhora pediu parada para o próximo ponto de ônibus, mas arriscou em um grito, que ultrapassava a conveniência da situação, requiriu ao motorista que não esperasse chegar à próxima parada, que parasse ali mesmo onde passava o transporte coletivo no seu ritmo próprio. Ele, seu moço motorista cansado, respondeu que até o faria se não fosse o guarda de trânsito mais a frente, que notificaria o comportamento do homem que dirige o transporte por imprudência quanto a parar em um lugar que não está destinado a paradas, além propriamente de estar na faixa do meio da pista, que atrapalharia vários carros e quem sabe o que mais poderia acontecer. Ele foi gentil, não parou, porém se justificou. Ela resmungou, praguejou e ironizou. A jovem senhora fechara a cara.

Se o motorista aceitasse sua proposta, ela poderia até caminhar menos, chegaria quem sabe na hora se estivesse atrasada, mas o outro (ou os outros) que deixaria para trás, ela não pensa no problema que lhes traria... Seus pés poderiam estar doendo pelo cansaço da vida, os ossos gritando para cessar a caminhada, ela só pensava nisso? E o motorista, a marcação do ônibus pelo guarda, a cobradora naquele começo de tarde, enfadigados de fome, com a bunda já no formato da poltrona em que trabalham, que procuram mil posições para facilitar a corrida de sangue em suas veias para não ficar numa mesma e sentir as dormências do ofício? Isso sem falar de todos os outros veículos que estavam vindo atrás... e se houvesse algum desatento, um imprudente, um nervoso, que batesse em outro ou mesmo no ônibus, por ele ter parado ali onde ela pedira, no meio da pista? A jovem senhora talvez não agradecesse o favor, sairia com seus pensamentos, seguiria seu caminho e todos que ficaram atrás, na merda. Capaz dela mesma inferir como o trânsito é perigoso, que as pessoas não sabem respeitar quem passa, que ninguém pensa em ajudar o outro. Hipocrisia? Não, isso não passaria por sua cabeça...

A jovem senhora, então, passa o restante do caminho, de onde exigiu a parada à parada oficial, ponto de ônibus onde muitos outros esperavam pelo transporte, reclamando em voz elevada a chamar a atenção dos passageiros como se tentasse os convencer de seu ponto, que lhe ajudassem a gritar com o motorista, até mesmo xingar, como muitos fazem quando estes passam de uma parada ou fecham as portas antes de todos saírem. O motorista respondeu, repetiu na verdade, seus motivos. Ela, não quis saber. Tinha "opiniões" bem "formadas" e não estava gostando do tratamento que estava levando. Para o moço, com o pouco de paciência que lhe restava, resmungou um pouco ainda. Pensava de quem melhor merecia o "obrigado", da sociedade por seguir seus preceitos, ou da jovem senhora no pedido inusitado.  

Os passageiros não se meteram. Alguns riram, fizeram cara de desentendidos, viraram a cara, ouviam suas músicas, ouviam seus pensamentos e só. Tampouco a cobradora, ela apenas pediu compreensão à jovem senhora, que seu pedido não teria como ser atendido. Sem graça pela ignorância da mesma, a cobradora se calou, enquanto o motorista ia parando onde, em seu ofício, estava correto, onde pelo pedido inicial de parada, ele deveria estacionar. 

Ela desceu. 
Desceu dizendo "não é a toa que 'alguns' motoristas são roubados" e que "acontecem coisas com eles e eles não sabem o porquê". A cobradora deu de ombros, sem ter o que retrucar, para não dar margem a mais discussão. O motorista tentou retrucar, mas já não era ouvido. E uma passageira, que conseguiu acompanhar esses poucos minutos críticos, viu tudo isso descrito, não pensando numa ironia maior, proferida pela jovem senhora. A passageira também não poderia apaziguar a situação, nem se meter na história. Restou-lhe apenas rir um riso baixo de quase indignação, uma troca de olhar com a cobradora perto dela, diálogo mudo de "o que não se vê nessa sociedade", meio resignada por essa humanidade tão cheia de si, razões pretensiosas que esquecem de todo um resto que compõe o mundo, mas crente que existem algumas pessoas que ainda carregam o pouco do pó da esperança.

É, né?

E você, o que faz?

Tem gente que lê...
Tem gente que lê e escreve.
Tem gente que lê, escreve e estuda.
E tem gente que lê, escreve, estuda e explora, a amada Literatura.

quarta-feira, 21 de março de 2012

20 de Março - dia do Blogueiro

(um dia atrasada)


- Você escreve?
- Sou destra de instrumentos finos e pontiagudos e ambas em digitalizações.
- Você entendeu o que eu disse.
- Você também.


terça-feira, 20 de março de 2012

Usar e abusar da primeira pessoa: narração em jogo

FOSTER, Thomas C. Para ler romances como um especialista. Tradução: Maria José Silveira. São Paulo: Lua de Papel, 2011. 288 p.

trecho de cap. 3 "Quem é o responsável aqui?"

Achei essa parte muito digna. Quando achamos que pode haver um limite, eis que a literatura arruma um jeito de remexer as estruturas e surpreender.

O problema com a narração em primeira pessoa. Estas são as desvantagens que a tornam espinhosa:

a)   O narrador não pode saber o que as outras pessoas pensam;
b)  O narrador não pode ir aonde as outras pessoas vão quando ele não está presente;
c)   Com frequência ele está enganado sobre as outras pessoas;
d)  Com frequência ele está enganado sobre si mesmo;
e)   Ele só pode ter uma compreensão parcial sobre a verdade objetiva;
f)     Ele pode estar escondendo alguma coisa.

Dadas essas limitações, por que um escritor escolheria empregar esse ponto de vista tão duvidoso? Pense nas vantagens:

a)  O narrador não pode saber o que as outras pessoas pensam;
b)  O narrador não pode ir aonde as outras pessoas vão quando ele não está presente;
c)  Com frequência ele está enganado sobre as outras pessoas;
d) Com frequência ele está enganado sobre si mesmo;
e)  Ele só pode ter uma compreensão parcial sobre a verdade objetiva;
f)    Ele pode estar escondendo alguma coisa.

[...]
O fato de serem apenas seis as opções, e na verdade mais para quatro para todas as intenções e propósitos, realmente não limita muito a maneira como as histórias são contadas. Os romancistas podem misturar e combinar, ajustar, variar, e simplesmente abusar das opções que se lhes apresentam.

terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

Dois lados de uma moeda, um mesmo valor...

Tony volta da porta de casa em busca de um guarda-chuva ao perceber na hora de sair quão nublado e escuro estava o céu, anunciando a bem próxima chuva. Ao achar um, caminha para a saída quando sua mãe passa por ele resmungando:
- Você só sai quando a chuva está para cair...
- Não, a chuva só cai quando estou para sair.

Tony tinha sua versão, assim como sua mãe, sobre como as coisas sucediam. De fato, eram duas histórias para o mesmo ocorrido de sempre. Chovia quando Tony estava na rua.
Eram dois lados de uma moeda, um mesmo valor, um mesmo fato.