sábado, 11 de junho de 2011

Precisa?

Levantava do sofá, andou até a geladeira. Mal percebera que estava na cozinha mesmo e nem sabia por que abria a geladeira, e a abriu. E cantarolou. Cantarolou? Como assim? Como isso veio parar na minha cabeça? Não sei, respondeu a si mesma, só sei que apareceu e grudou. Nem gostava daquela música. Afinal, de quem era mesmo? Não sabia a música, apenas aquele trecho. Não sabia de quem era, mas tinha na lembrança um grupo a apresentando num programa de TV. Questionava-se de quando era, há anos não ouvia. Enfim, percebera. Não de quem era ou que música era aquela. Percebera que estava na cozinha com a porta da geladeira aberta, encostada na parede, pensando com seus “cordões”. Que estou fazendo cá? Não sei, só sei que estou aqui e é melhor fechar. Caminhou de volta ao sofá, tentando refazer seus pensamentos. Ainda aturdida, concluiu para si mesma: Nem tudo tem que fazer um sentido.

Tão longe e tão perto

- [...] que tinha batido e foi engraçado porque...
De braço apoiado na janela, a mão sustentando o rosto que parecia concentrado na conversa, Lívia olhava pelo vidro a avenida passar. Esboçava algumas reações às palavras do amigo que lhe narrava alguma história, não sei se era uma peripécia, mas parecia boa. E parecia que Lívia não estava realmente respondendo a tal história. Nem eu estava a ouvir.
Posso dizer que me intrigou o jeito com que Lívia olhava pelo vidro. Ela não olhava mesmo o vidro ou a avenida, nem prestava atenção à conversa, se num era um monólogo inocente do amigo ao lado. Acho que era amigo, pela emoção que falava sua história. Me prendeu tanto que fiquei a observar já não tão discretamente. Não a conversa, claro.
Por assimilação, já olhava pelo vidro, e de visão periférica, acompanhava os movimentos de Lívia. Estavam na minha frente, num transporte não muito cheio e não muito barulhento. Se bem que tocava uma rádio qualquer, daquelas que faz pensar que o motorista tá naqueles dias emocionado. Não importa, se eu não ouvia nem a conversa, imagina a música que tocava.
Agora eu estava ali pensando, tão longe e tão perto, no que Lívia pensava. Na verdade, pensava ser Lívia e pensava algo como se fosse o que ela estivesse pensando.
Já nem sei o que eu pensava. Concentrado em algo que não sei o que era mais, voltei o olhar para frente. Tinha alguém ao meu lado, contando uma história e bem animado, parecia estar na melhor parte.
- [...] foi sopa pra tudo que é lado. O cliente tinha uma cara tão...
Eu era Lívia. Meu amigo nem pareceu notar minha falta com ele, e riu ainda mais quando lhe disse: - Isso ninguém filma, né?