sábado, 11 de junho de 2011

Tão longe e tão perto

- [...] que tinha batido e foi engraçado porque...
De braço apoiado na janela, a mão sustentando o rosto que parecia concentrado na conversa, Lívia olhava pelo vidro a avenida passar. Esboçava algumas reações às palavras do amigo que lhe narrava alguma história, não sei se era uma peripécia, mas parecia boa. E parecia que Lívia não estava realmente respondendo a tal história. Nem eu estava a ouvir.
Posso dizer que me intrigou o jeito com que Lívia olhava pelo vidro. Ela não olhava mesmo o vidro ou a avenida, nem prestava atenção à conversa, se num era um monólogo inocente do amigo ao lado. Acho que era amigo, pela emoção que falava sua história. Me prendeu tanto que fiquei a observar já não tão discretamente. Não a conversa, claro.
Por assimilação, já olhava pelo vidro, e de visão periférica, acompanhava os movimentos de Lívia. Estavam na minha frente, num transporte não muito cheio e não muito barulhento. Se bem que tocava uma rádio qualquer, daquelas que faz pensar que o motorista tá naqueles dias emocionado. Não importa, se eu não ouvia nem a conversa, imagina a música que tocava.
Agora eu estava ali pensando, tão longe e tão perto, no que Lívia pensava. Na verdade, pensava ser Lívia e pensava algo como se fosse o que ela estivesse pensando.
Já nem sei o que eu pensava. Concentrado em algo que não sei o que era mais, voltei o olhar para frente. Tinha alguém ao meu lado, contando uma história e bem animado, parecia estar na melhor parte.
- [...] foi sopa pra tudo que é lado. O cliente tinha uma cara tão...
Eu era Lívia. Meu amigo nem pareceu notar minha falta com ele, e riu ainda mais quando lhe disse: - Isso ninguém filma, né?


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