segunda-feira, 3 de outubro de 2011

Acho que entendi o plano de Machado de Assis, em Dom Casmurro

Machado de Assis foi um cara muito esperto - e meio chato com umas intromissões.
Diferentemente de Memórias de Um Sargento de Milícias (de Manuel Antônio de Almeida), que parecia ter a mesma linha de narração, Dom Casmurro dessa vez fluiu em mim. Não sei dizer se foi sobre a pressão ou não. Mas tive pressão quanto àquela e nem assim o negócio decolou. Mas não falemos de fruição.

Digo que o cara foi esperto e acho que até tenho como provar.
As tramas dele parecem ser boas e bem construídas - por enquanto só li Dom Casmurro – o que me chateava era as intromissões, as conversas e umas estórias, que até podiam ter a ver com a situação, mas o jeito que ele colocava... num sei, me irritava. Tinha hora que me dava vontade de dizer “Cala boca e continua!”, senão, de dar um tabefe na cabeça dele pra pegar no tranco; em Bentinho, não exatamente Machado de Assis.
Machado até merece um bom aperto de mãos, porque o plano dele, ah, o plano dele foi genial.

Só falar em Bentinho e Capitu e... pronto: cada um que lê o livro tem que dar seu parecer da polêmica – Capitu traiu ou não traiu?
Comigo não foi assim, acho que a questão do livro não é bem essa aí. A questão, como já li por aí, é a dúvida. E bota dúvida cruel nisso! Quando eu lia a respeito, não entendia bem o que eles queriam dizer, mas agora... Foi golpe de mestre.
Pense bem. Por que a dúvida e não a polêmica? Não nego a polêmica, a polêmica é ramificação da dúvida, e esta que ficou um pouco camuflada talvez.

O Fato: a dúvida
Acredito que Machado de Assis não deixou as pistas certas – pronto, falei.
O que ele fez foi deixar as pistas erradas – parece redundante, mas não é – pistas estas que sempre nos levaria a um ponto específico, a escolha. É como se durante a narrativa nos encontrássemos em um corredor que de fim daria em duas portas. E como fomos parar nesse corredor? Pelas pistas erradas.
O que ele queria com isso, afinal? Poderia dizer muitas coisas, mas digo uma. Ele não queria que solucionássemos o caso, ele queria era ver TODO MUNDO matutando isso, te deixar maluco num loop infinito. E num acabou acontecendo mesmo?! Meus parabéns, cara, você conseguiu. A geral é ficar se debatendo se Capitu traiu ou não, como ela traiu, porque ela traiu... Me diz se não é verdade?
Posso ser principiante no assunto, mas será que estou falando de coisas tão desconexas assim?
Tudo sempre recai no que “parece ser”, no “se isso, se aquilo”... Parece a teoria do conhecimento de novo – “se isso for verdade...”, “se isso aconteceu...”; nunca saberemos. Nem se houvesse uma quebra ilógica e Machado de Assis voltasse pra contar o que teria acontecido. Eu não acreditaria, quer dizer. Porque quem me garantiria que seria a verdade? Por isso citei a teoria do conhecimento... não dá pra saber.

Ok, e cadê as pistas certas?
Ele as não deixou. Seria muito definitivo pra ele e esse não era o que ele queria, aparentemente.

Ramificação: a traição
Já que estamos aqui e isso é processo comum das pessoas matutarem a respeito de Bentinho e Capitu, eu entro no jogo: Capitu não traiu Bentinho.
Bentinho era tão egocêntrico que o ciúme arranjou uma nova morada e uma companhia, a obsessão. Tudo que acontece ele dá um jeito de transformar numa coisa ruim. Dá pra confiar num cara desses? Até que dá, vai saber. Mas sempre cair no mesmo lugar: a escolha. Você tem que escolher o que “parece” ser mais conveniente a esse buraco, porque é isso que leitor tende a fazer: conexões, deduções, suposições... preencher as lacunas.
O que alegam por aí é que a confirmação nunca virá porque a narração é em primeira pessoa, logo, confiar com toda a certeza nas palavras desse homem seria errado porque cada um tem sua interpretação. Justo. Concordo. O que é visto nos faz crer, achar, pensar, mas não saber; tudo questão de impressão. Não deve ser a toa que o livro é um romance psicológico - Machado soube aproveitar o momento.
Então, de todas as que Bentinho me contou, e de como contou, pra mim ele interpretara tudo errado, coisa dessa natureza dele de possessivo, obsessivo e egocêntrico (só eu lembrei da música do Jay Vaquer? Pode agradecer?), sempre desconfiado e bem imaginativo, qualquer coisa atiçava a mente dele, até “sonhar” com o Imperador ele fez essa proeza (lembrei do J.D. da série Scrubs em algumas passagens, muita imaginação em divagações); e Capitu, dissimulada às vezes sim, mas não quanto ao amor que tinha por ele. Na verdade, achei Capitu muito dedicada a ele. Acho que ela não queria era dar o braço a torcer, de determinada que ela era. Se ela traiu, bom, posso achar até motivo, mas não vejo como.
Então eu escolho “Capitu não traiu”, quando, na verdade, prefiro o “ela tanto pode ter traído quanto não traído, se for considerar tudo que descrevi”.

De fim, acho que o que Machado fez foi ter a ideia genial e depois só foi encaixando os outros pontos. Como ele fez isso? É o mesmo que perguntar pra Saramago como ele estruturou a ideia de Ensaio sobre a Cegueira. Criação literária é um negócio, viu. Melhor deve ser o processo ;)
Tem hora que é tão bom ser beleletrista.


~ Fiquei puto por não conseguir controlar seu pensamento...
Mas amei você
Pode agradecer... ~ Jay Vaquer - Pode Agradecer.

Um comentário:

  1. Machado é divo! *----*

    Bom, a minha vontade aqui é divagar junto, mas tenho case, então o que digo é: concordo com você. Bentinho era tão egocêntrico e obsessivo, que via chifre em cabeça de cavalo. Qualquer alfinete era transformado em espada pela mente doentia dele.

    Sinceramente, não acredito que Capitu o tenha traído, ele é que era um imbecil.

    Adorei as divagações, Kleris! Sensacional.

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