SAAVEDRA, Carola. Flores Azuis. São Paulo: Companhia das Letras, 2008.
"Meu querido,
Se o livro é bom, ele é.
Não é um livro que normalmente eu leria, ele tem
algo bem diferencial do que seria meus preferidos; há uma desenvoltura bem
singular. Li de curiosidade, como toda boa leitura deve ser, de achar que algo
intrigante vá sair das páginas. Sai. Principalmente se você é um estrangeiro
que lê cartas dos outros destinadas a outros. Não é pra você, meu querido, você
não é 'meu querido', você nem os conhece. Mas aí que está, existe um fascínio
nisso, existe um mistério, entrelinhas. Não li repetidas vezes como o
estrangeiro da história, mas fui estrangeira, senão forasteira. Estava de
passagem e li, como quem não quer nada... assim, como se não tivesse
compromisso, só por observar o desenrolar, sabe-se lá por quê. E fui
testemunha, desenrolou as cartas, narrativas, intimidades, segredos, curtos e
longos, confissões no papel.
Entende a ideia de forasteiro, então? Fiquei ali
por ficar, pra saber o fim da novela, a gente gosta de saber os fins, né? Nem,
às vezes, tão emocionantes como esperado, às vezes bom mesmo é a sacada que
alguém diz e sentido mesmo se encontra depois. É estranho, mas é desse jeito.
Não exatamente ri, não é de esboçar muitas
reações. Reação mesmo é essa, que de tanto ficar ouvindo 'A', ou Marcos,
Fabiane ou as reclamações da ex, sei lá, achei que tava lendo pensamentos. Não
sei se deles ou de Carola, quem deu espaço a muitos, fluídos e invasivos.
Flui, não rasga, não sai chutado, forçado, como qualquer outros que a gente empurra pra sair. Achei difícil que eu escreveria sobre, e, olhe cá, escrevi, continuo colocando letra pós letra, sentido a mais, pensamentos, efeito Carola, efeito 'A', achando que deve haver Marcos para ler essa correspondência.
Flui, não rasga, não sai chutado, forçado, como qualquer outros que a gente empurra pra sair. Achei difícil que eu escreveria sobre, e, olhe cá, escrevi, continuo colocando letra pós letra, sentido a mais, pensamentos, efeito Carola, efeito 'A', achando que deve haver Marcos para ler essa correspondência.
Desculpe se chamei de 'meu querido' se não o é,
foi, assim, um lapso, coisa de 'A'. Pra você ver como é, como corre tudo, a
gente vai pegando, se apegando, vai num sopro só, algo aqui despertou, não sei
se com você será. Não estarei à espera, e não, não vou falar de mim, se isso
você ainda esperava, não, leia Carola. Quer dizer, leia 'A', leia Marcos, o
narrador, as histórias paralelas, as flores azuis. Carola é só a cabeça do
teatro, de muitos papéis, até mesmo de uma menina de 3 anos, garota
interessante, bota medo no próprio pai.
Eis que ainda te dei um capítulo meu. Carola te
dá mais, vá lá, vá ler, não estou aqui pra matar curiosidade de ninguém, só tô
dizendo como é que se fica depois, você percebeu, imagino. Pois então, me diga
depois, se possível, não esperarei, você já sabe.
P.S.: Confie nas orelhas do livro.
K."
E os pensamentos pareciam-lhe estranhos, já fazia alguns dias que os pensamentos lhe pareciam estranhos, como se não fossem seus e, ao mesmo tempo, tivessem sido seus desde sempre, pensou, cada vez mais surpreso. P. 125
Skoob